O BC (Banco Central) autorizou nesta sexta-feira (11) os quatro principais birôs de crédito brasileiros a receber informações de instituições financeiras, tirando do caminho o último obstáculo regulatório para o funcionamento do novo cadastro positivo, cuja promessa é reduzir a inadimplência e os juros cobrados de consumidores.
A negociação sobre como será a troca de informações entre empresas como concessionárias e energia e telecomunicações e os birôs, porém, devem atrasar a plena operação do novo banco e deixar de fora consumidores mais pobres.
A lei que autoriza a inclusão automática de pessoas em um cadastro histórico de pagamentos foi sancionada em 9 de julho. A partir daquela data, SPC, Serasa, Boa Vista e Quod poderiam receber as informações de contas de consumo e crediário de varejistas. Nada aconteceu.
Inicialmente, faltava um decreto do presidente Jair Bolsonaro, que regulamentaria alguns pontos do banco de dados —o texto foi publicado no final de julho.
Depois, empresas não financeiras vinham alegando que também aguardavam a homologação dos birôs pelo BC, que era exigida para que bancos enviasse informações. Isso daria mais segurança para a troca de informações.
Do lado das empresas de telecomunicações, há um pedido para que os dados dos consumidores sejam enviados através de uma central unificada, a exemplo do que ocorre com o bancos, que enviam informações através da CIP (uma central interbancária para troca de informações).
“A conversa com as teles tem evoluído muito bem, foi definido layout [para transferência de informações]. A estimativa é em torno de 90 dias para fazer as integrações”, afirma Nival Martins, superintendente de operações e cadastro positivo do SPC Brasil.
Isso significa que esses dados devem começar a ser trocados a partir de 2020.
Já sobre empresas de energia elétrica e gás, a negociação evolui devagar, afirma Martins. Ele evitou fazer qualquer tipo de previsão de quando esses dados começarão a ser processados pelos birôs.
Dirceu Gardel, presidente do Boa Vista Serviços, também fala em alguma resistência das empresas não financeiras em enviar informações.
“Tanto varejo quanto concessionárias e empresas de telecom optaram por não enviar [os dados]. Eles queriam registro no BC para enviar. A impressão que eu tenho é que é excesso de zelo”, afirma Gardel.
Para o presidente da ANBC (Associação Nacional dos Birôs de Crédito), Elias Sfeir, há um diálogo entre as empresas fornecedoras de dados e os birôs, mas ele avalia que a integração tomará tempo.
Ele projeta quatro ondas de entrada de dados no sistema.
A primeira é a dos bancos; a segunda, das empresas de telecomunicações; a terceira, das concessionárias e, por fim, o varejo, que começaria a enviar dados aos birôs na metade do próximo ano.
“A obrigação de comunicação é das fontes. Cada setor se organiza para enviar”, afirma Sfeir.
A Folha procurou as entidades que representam essas empresas.
A Abradee (distribuidoras de energia elétrica) afirma que conversa com os birôs desde antes da aprovação da lei no Congresso e que aguarda apenas as garantias de que a transferência de informações é segura para começar a fornecer os dados.
“Não posso pegar uma planilha e entregar para o birô. Tenho que garantir que a transferência de dados é segura”, afirma Wagner Ferreira, assessor jurídico da Abradee, que nega qualquer morosidade no sistema.
O Sinditelebrasil (telecomunicações) não respondeu até a conclusão desta edição.
Enquanto negociam com essas empresas, os birôs devem passar a receber informações dos clientes de bancos a partir do começo de novembro, segundo a Febraban (federação dos bancos).
É quando consumidores começarão a ser notificados por mensagens de texto, email ou cartas, de que um cadastro positivo foi aberto.
Os birôs têm 30 dias para avisar que o cadastro foi aberto e 60 para começar a usar as informações coletadas para a formação da nota de crédito. É possível pedir a exclusão do banco de dados.
A estimativa é que 130 milhões de consumidores sejam clientes de bancos e com crédito contratado —10 milhões haviam aderido ao cadastro positivo anterior, em que era preciso autorizar a expressamente a entrada.
Sem dados das concessionárias e do varejo, ficam de fora dessa primeira leva os consumidores sem relacionamento e crédito bancário.
Na prática, porém, nenhum dado positivo foi trocado ainda entre birôs, empresas e instituições financeiras.
Do lado dos bancos, faltava o aval do BC para que birôs pudessem receber as informações. No sistema anterior, não havia essa exigência regulatória.
Para a troca de informações com empresas prestadoras de serviços e varejistas, que agora passam a fazer parte do cadastro, o obstáculo é a padronização da troca de informações em um sistema unificado.
Esse sistema está em desenvolvimento pelos birôs e deve ficar pronto até o final do ano.
Mas, na prática, agora as informações sobre bons pagadores já podem ser trocadas entre bancos, empresas e birôs.
O cadastro positivo é considerado um instrumento para a redução de inadimplência e de juros do crédito: conhecendo os hábitos de pagamento dos consumidores que mantêm as contas em dia —e não apenas daqueles que tiveram dívidas em atraso—, os bancos afirmam que poderiam reduzir os calotes.
A população sem crédito contratado em banco é estimada em 20 a 30 milhões, diz a diretora de Operações de Dados da Serasa Experian, Leila Martins.
Segundo especialistas, essas pessoas passariam a ser enxergadas pelo sistema financeiro com o cadastro positivo e poderiam ter uma nota de crédito melhor caso estivessem pagando regularmente contas de luz e telefone. Atualmente, essas pessoas só são vistas quando estão com contas atrasadas, o que restringe ainda mais a possibilidade de acesso a serviços financeiros.
Além de expandir o mercado de crédito, a promessa é que o cadastro positivo poderá reduzir os juros cobrados dos consumidores, porque bancos teriam maior capacidade de diferenciar os bons dos maus pagadores. Mas mesmo aqui já aparecem algumas ressalvas.
Quando a lei do cadastro positivo foi aprovada, as instituições financeiras se queixaram de que terão acesso apenas ao escore do consumidor, sem que possam visualizar quais as dívidas foram contratadas. Para acessar esses dados detalhados, será preciso obter a autorização expressa do consumidor.
Além disso, a Febraban se queixou da responsabilidade solidária incluída na lei. Consumidores que tiverem dados errados incluídos ou vazados, por exemplo, poderiam acionar bancos na Justiça, não apenas os birôs.
Na leitura do setor, isso poderia elevar custos jurídicos, minimizando o efeito da queda da inadimplência sobre a taxa de juros cobrada do consumidor.
Apesar das queixas de que a inadimplência é elevada no país, a leitura do mercado também é de que ela chegou a um piso, após o forte ajuste feito pelos bancos no período de crise. Segundo o Banco Central, a inadimplência média de clientes pessoa física fechou agosto em 4,9%.
Como sair do cadastro
Os birôs de crédito têm que manter um canal aberto para a exclusão, seja na internet ou outros meios. O pedido para não fazer parte do cadastro positivo pode ser feito mesmo antes que o primeiro registro, ou a abertura do cadastro, seja realizado.
Ao fazer o pedido em um birô, eles precisam compartilhar o desejo do consumidor com todos os outros.
A solicitação também poderá ser feita depois que o cliente tiver um cadastro formado. Quando um birô abrir a base de dados de um cliente, precisará avisá-lo.
A legislação não específica as formas de notificação. Em São Paulo, são enviados mensagens de texto e cartas pelo correio quando um cliente é notificado que pode ter seu nome incluído no cadastro de devedores.