A Lei 13.185/2015, importante passo do Poder Legislativo no combate ao bullying, por instituir o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, completou cinco anos de publicação neste mês. Em meia década, a norma permitiu avanços no enfrentamento de um problema que eleva os índices de evasão escolar, a criminalidade e o uso de drogas por adolescentes e jovens.
Intimidação sistemática, ou bullying, como popularmente conhecido, é todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas, nos termos da referida lei.
"Essa forma de tortura física e psicológica que se opera mediante intimidação verbal, moral, sexual, social, psicológica, física, material ou virtual é extremamente danosa não apenas para o agredido, mas para toda a sociedade, pois contribui para a elevação da evasão escolar, do uso de substâncias entorpecentes ilícitas e dos índices de criminalidade", observa a advogada Melissa Barufi, presidente da Comissão da Infância e Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Lei ampliou combate e jogou luz sobre os casos de bullying
Ela explica que, antes da lei, o bullying já era combatido com o uso dos instrumentos disponibilizados pelos códigos legislativos em ações indenizatórias e reparatórias cíveis e ações penais. A norma foi além, segundo Melissa, "atribuindo a algumas pessoas jurídicas privadas, em cujas dependências a prática da intimidação sistemática é frequentemente verificada, o dever de assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e ao bullying. É o caso dos estabelecimentos de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas", exemplifica.
"Atribuiu, ainda, deveres às pessoas jurídicas de direito público interno. Dessa forma, caberá aos estados e municípios produzirem e publicarem relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática nos seus territórios, viabilizando o planejamento das ações de combate ao bullying. Como instrumento de combate conjunto ao bullying, foi possibilitado aos entes federados firmarem convênios e estabelecerem parcerias para a implementação e a correta execução dos objetivos e diretrizes do Programa de Combate à Intimidação Sistemática."
Para a advogada, a superveniência da legislação tipificou a conduta e implementou mecanismos que dão voz a uma situação que sempre existiu, mas de forma velada. "Ainda, possibilitou a criação do programa de enfrentamento à intimidação sistemática, que determina a responsabilidades dos entes federativos em promover, além da prevenção, a disseminação do conhecimento sobre o tema, por meio de campanhas e ações capazes de modificar a conduta social."
Consequências para vítimas e agressores
Ainda que avanços sobre o tema sejam verificados, o bullying ainda faz parte do dia a dia de milhões de brasileiros, especialmente aqueles que se encontram em tenra idade. A especialista elenca as situações e perigos a que crianças e adolescentes vítimas dessa prática estão expostos.
"Um fenômeno quase tão antigo quanto as próprias escolas são as chamadas 'brincadeiras de mau gosto', em que alunos ou grupos de alunos, movidos pela disputa pelo poder e liderança nas relações no recinto escolar, perseguem outros que possuam algum traço diferente, como etnia, religião, compleição física ou deficiência. O agressor busca, com esse comportamento, exercer poder sobre o mais fraco e se sobressair no seu grupo social."
Segundo Melissa Barufi, essas 'brincadeiras' nada mais são do que formas de assédio moral, físico e social. Quando vistas e aceitas com naturalidade durante a infância, fomentam a repetição desse comportamento negativo e agressivo na fase adulta e corroboram a prática da exclusão de pessoas tidas como diferentes do convívio social.
"Essa forma de assédio ocorre principalmente no ambiente escolar, dirigindo-se a crianças e adolescentes, pessoas cuja formação física, psicológica e intelectual está em pleno desenvolvimento. O caráter e os valores do indivíduo na fase adulta são resultantes das suas experiências durante a infância e a adolescência, e a prática do bullying terá forte influência nessas experiências, tanto para o agressor quanto para o agredido."
De acordo com a advogada, a relação de poder travada entre agressor e agredido é tão avassaladora que pode causar graves danos à dignidade, à autoestima, à saúde e à integridade físico-psicológica do agredido. "Poderá acarretar-lhe quadros destrutivos como os de ansiedade, tensão, depressão, síndrome do pânico, medo, desgosto, angústia, entre outros, podendo conduzir, até mesmo, ao suicídio."
Cyberbullying em meio à pandemia
De acordo com a advogada, a pandemia do coronavírus afastou crianças e adolescentes do ambiente escolar, mas, por certo, não eliminou o problema. Essas situações de intimidação também podem seguir com o chamado cyberbullying, que consiste em depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
"O cyberbullying é a forma de agredir moralmente, usando para tanto os meios de comunicação. São ataques realizados no mundo virtual, onde os agressores utilizam os instrumentos da internet e de outros avanços tecnológicos na área da informação e da comunicação para humilhar e maltratar o agredido."
A Lei 13.185/2015 trata do cyberbullying no parágrafo único do artigo 2º, ao disciplinar que haverá intimidação sistemática na rede mundial de computadores quando, para depreciar a vítima, incitar a violência ou adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial contra ela, entre outras agressões, forem utilizados os instrumentos que são próprios da internet, como redes sociais, e-mails, programas, etc.
Há uma diferenciação entre o que ocorre em meio à pandemia da Covid-19. "O espaço virtual não foi o instrumento para disseminar as ofensas e intimidações, mas o espaço da sala de aula adentrou ao mundo virtual e, assim, as ditas 'brincadeiras de mau gosto' realizadas em sala de aula on-line são propriamente o bullying."
"Sem dúvida alguma, a modificação da estrutura escolar em nada contribuiu para minimizar o bullying, servindo de palco para os constrangimentos psicológicos e emocionais, de igual modo ao ambiente físico. O que se pode noticiar como diminuição são as ofensas físicas, ante o distanciamento social."
A advogada frisa: "O enfrentamento de combate ao bullying só é possível mediante conscientização, educação e ações conjuntas do setor público e privado, capazes de transformar as atitudes das crianças, adolescentes e jovens, desenvolvendo a empatia e trabalhando as diferenças como sendo aquilo que nos torna especial".
Responsabilização civil
Segundo a advogada, pais dos agressores e as próprias escolas em que o bullying ocorre podem ser responsabilizados civilmente. "Basta a comprovação de que a prática de bullying ocorreu dentro do período em que o aluno estava sob vigilância e guarda da escola. Trata-se da teoria da guarda e também da responsabilidade objetiva pelo ato ilícito, ou seja, não é preciso comprovar dolo ou culpa da instituição de ensino, apenas o dano e nexo causal."
"Se for escola particular, a parte lesada pode processar a empresa educacional e seus representantes. Para os casos de instituição pública, pode-se processar o Estado e a direção educacional da instituição de ensino. É interessante lembrar que nos casos de bullying é possível também responsabilizar os responsáveis legais dos agressores, e não apenas as instituições de ensino", explica Melissa.
Esse é um dos caminhos possíveis para coibir essa prática nas escolas e em toda a sociedade. Contudo, a especialista opina que a prevenção deve ser o primeiro passo para evitar o problema. "A melhor forma de cultivar uma atmosfera de prevenção e combate à violência é envolver a comunidade em projetos de longa duração voltados para a promoção da segurança no ambiente escolar", defende.
Enfrentamento ao bullying nas escolas
A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência – ABRAPIA sugere as seguintes atitudes para um ambiente saudável na escola:
- conversar com os alunos e escutar atentamente reclamações ou sugestões;
- estimular os estudantes a informar os casos;
- reconhecer e valorizar as atitudes da garotada no combate ao problema;
- criar com os estudantes regras de disciplina para a classe em coerência com o regimento escolar;
- estimular lideranças positivas entre os alunos, prevenindo futuros casos;
- interferir diretamente nos grupos, o quanto antes, para quebrar a dinâmica do bullying.
Para Melissa Barufi, todos os profissionais presentes no ambiente escolar, bem como pais e alunos, devem estar aptos a identificar situações de opressão. Para a advogada, há a necessidade de comitês de segurança para criação de estratégias diversas de combate à violência, fazendo uso de recursos diversificados, como palestras, campanhas, rodas de conversa etc.
"A escola não deve ser apenas um local de ensino formal, mas também de formação cidadã, de direitos e deveres, amizade, cooperação, solidariedade e empatia. Agir contra o bullying é uma forma eficiente de diminuir a violência entre estudantes e na sociedade. Jamais podemos esquecer que o comportamento dos adultos reflete na formação da criança e jovens. Eles estão nos observando, e servir de exemplo é um importante passo."