Empresas em recuperação judicial têm recorrido à Justiça para amenizar os impactos da crise econômica causada pela pandemia do coronavírus em suas atividades.
Decisões judiciais proferidas pelos tribunais de Justiça de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Ceará suspenderam o pagamento de credores, garantias e serviços essenciais, como energia elétrica, a companhias em recuperação. Tribunais em São Paulo e Espírito Santo, por outro lado, entenderam pela impossibilidade da suspensão.
Segundo levantamento do JOTA, há pelo menos cinco decisões favoráveis aos devedores, uma delas proferida em segundo grau, e sete decisões que não permitem adiamentos nos pagamentos de credores, sendo quatro de segunda instância.
Por outro lado, decisões que não permitem a suspensão do pagamento de credores asseveram que não é função do Judiciário decidir sobre o tema. Juízes e desembargadores têm afirmado em suas decisões que a negociação deve ser feita diretamente com a assembleia de credores. A Justiça, segundo as decisões, serviria somente para julgar ilegalidades no plano de reestruturação da empresa.
A recuperação judicial é uma forma de evitar a falência de uma empresa. A medida é solicitada ao Judiciário quando a empresa não tem mais a capacidade de pagar suas dívidas. Com isso, é possível a reorganização dos negócios, negociação dos passivos e a tentativa de recuperação.
Justiça X Assembleias de credores
A decisão mais recente sobre o tema foi proferida pelo desembargador Manoel Pereira Calças, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Ele negou a suspensão do pagamento dos credores e a moratória das contas de água, energia elétrica e telefone de uma empresa em recuperação judicial.
Para o desembargador, os credores também são vítimas “dos impactos econômicos da pandemia, não bastasse a circunstância de estarem eles cooperando efetivamente para o soerguimento da recuperanda”.
“Outrossim, inexiste previsão legal que permita ao magistrado compelir a empresa ao fornecimento de um produto, ainda que a outra parte esteja em recuperação judicial ou passando por grave crise econômico-financeira”, concluiu o magistrado.
A decisão manteve a sentença de primeira instância assinada pelo juiz Marcelo Sacramone, da 2ª Vara de Falências do TJSP. O juiz afirmou que a o adiamento deve ser deliberado pela assembleia dos credores.
“À Assembleia de Credores foi atribuído poder para deliberar sobre meios de recuperação judicial, não ao Juízo, sendo a suspensão dos pagamentos fixados em plano de recuperação judicial um destes meios”, escreveu Sacramone.
O juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho, também do TJSP, negou o pedido da Abril para o adiamento por 90 dias de parte dos valores devidos em seu acordo de recuperação judicial.
Para o juiz, uma moratória poderia prejudicar uma série de credores que precisam dos valores devidos pela empresa. “Não se pode ignorar que muitos desses credores dependem do recebimento, ainda que parcial, dos valores que lhes são devidos, para igualmente manterem suas operações, com o pagamento de seus empregados e fornecedores”.
Além disso, o magistrado assevera em sua decisão que os balanços financeiros da empresa em janeiro e fevereiro de 2020 não demonstram uma real queda de receita por causa da pandemia do coronavírus.
“À alta direção das recuperandas reconhece-se o discernimento de bem gerir o seu caixa, com a manutenção das operações, empregos e fornecedores essenciais, e de não onerar excessivamente os credores que, sabidamente, não tem outros meios de obter recursos para a manutenção de seus negócios”, concluiu o juiz.
Crise econômica
Apesar das decisões desfavoráveis, algumas empresas devedoras também conseguiram vitórias no Judiciário. Na 7ª Vara Empresarial do Foro Central da Comarca do Rio de Janeiro, o juiz Fernando Viana determinou a suspensão, por 90 dias, dos valores devidos por uma recuperanda. (processo nº 0116330-24.2013.8.19.0001). O argumento do juiz foi a “crise global econômico-financeira criada em razão da pandemia do covid-19”.
Para ele, a “notoriedade e gravidade dos fatos vivenciados por todos dispensa maiores considerações para que seja reconhecida a necessidade e urgência da determinação de medidas que visem salvaguardar a atividade empresarial”, escreveu.
Em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) autorizou, por meio da 1ª Vara de Recuperação de Empresas e Falências da Comarca de Fortaleza, a suspensão por 90 dias dos pagamentos e obrigações do plano de recuperação judicial de uma empresa regional de aço. (processo nº 0131447-76.2017.8.06.0001).
O argumento da decisão foi que a crise econômica no Brasil é ainda mais alarmante para empresas que foram surpreendidas pela covid-19 em meio a um processo de recuperação judicial.
“É verdade que tal medida acarretará algum prejuízo momentâneo para os credores concursais, os quais não receberão por determinado período o desembolso”, consta a decisão.
Judiciário dividido
Segundo Gabriel de Orleans e Bragança, sócio do escritório Lobo de Rizzo Advogados, a situação é sensível para os dois lados: credores e devedores. Entretanto, o advogado diz que acha mais adequada as decisões que negam a suspensão dos pagamentos, como foram proferidas em São Paulo.
“Nesta época de pandemia, não podemos dar brecha para comportamento oportunista. Não adianta a empresa alegar que um insumo ficou mais caro. Tem que estar claramente comprovado que toda a atividade empresarial ficou comprometida”, afirma o advogado.
Ele acrescenta que as diferentes decisões no Judiciário criam um ambiente de insegurança jurídica maior do que o usual no país. “A análise [dos pedidos de moratória] deve ser casuística. Entretanto, muitas situações são parecidas. É preciso estabelecer uma padronização”, concluiu.
Para Vitor Gomes Rodrigues de Mello, advogado de Direito Empresarial, as decisões em São Paulo que negam a moratória são corretas, pois obrigam que o assunto seja analisado e deliberado obrigatoriamente pelos credores por meio de assembleia.
Entretanto, na análise do advogado, a forma mais indicada para a moratória de empresas em recuperação judicial é fora do Judiciário, com a formação de uma assembleia de credores extrajudicial.
Essa opção faz com que empresas, principalmente de pequeno e médio porte, não precisem arcar com o “alto custo do Judiciário”, analisa.