Diante da expectativa de perda de empregos formais causada pela crise do coronavírus, integrantes da equipe econômica voltaram a debater a ideia de reduzir a tributação que incide sobre salários e compensar a queda de arrecadação com a criação de um imposto sobre transações financeiras. O plano de instituir o tributo, semelhante à extinta CPMF, já foi alvo de divergências dentro do governo. O presidente Jair Bolsonaro já se posicionou contra a ideia várias vezes. A avaliação de interlocutores do ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, é que será necessário baratear o custo do trabalho para estimular contratações depois da pandemia. A retomada das negociações, porém, só deve avançar depois que as medidas emergenciais de combate à doença forem tratadas.
O plano de trocar a contribuição sobre folha por um imposto sobre transações financeiras é defendido por Guedes desde antes do início do mandato de Bolsonaro. A comparação com o chamado “imposto do cheque”, como ficou conhecida a CPMF, acabou dificultando a negociação sobre a medida, porque o antigo tributo aumentou a carga tributária e se tornou extremamente impopular. A defesa mais enfática do modelo tributário foi um dos motivos que causaram a demissão do ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em setembro. Na ocasião, Bolsonaro escreveu em suas redes sociais que a ideia estava riscada da proposta de reforma tributária do governo.
Para auxiliares de Guedes, no entanto, a proposta terá que voltar à pauta “no momento oportuno” por causa dos estragos causados pela recessão. De acordo com uma das fontes, o volume de trabalhadores informais em busca do auxílio emergencial criado pelo governo dá a dimensão da crise. Já são quase cem milhões de cadastrados para receber o benefício. O custo na contratação é uma das razões apontadas para a alta informalidade no país.
A ideia de tributar transações voltou à tona principalmente após a queda da medida provisória (MP) que instituía o contrato Verde e Amarelo, de acordo com quatro fontes próximas a Guedes. O texto reduzia os encargos trabalhistas na contratação de jovens de 18 a 29 anos que nunca tivessem trabalhado com carteira. Um dos benefícios para o empregador era a isenção da contribuição patronal ao INSS, que pelas regras normais é de 20% sobre o salário do funcionário.
A MP, no entanto, foi revogada por Bolsonaro no dia em que perderia validade, porque não havia acordo para ser votada no Congresso. O plano inicial era reeditar o texto, mas, segundo técnicos da equipe econômica, essa opção foi descartada porque o Supremo Tribunal Federal (STF) alertou que a manobra seria inconstitucional. Outros temas que eram tratados pelo texto, como ampliação ao microcrédito, serão incluídos em um projeto à parte.
Sem aumento da carga
O contrato Verde e Amarelo era uma das principais apostas da equipe econômica para incentivar contratações formais depois da crise. Dias antes de o texto ser revogado, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, disse que a medida era uma “feliz coincidência”, por ter sido elaborada antes da pandemia e ser o instrumento ideal para lidar com os problemas do pós-crise.
— Por uma grande coincidência nós estamos diante do momento que estamos buscando preservação de emprego e temos na nossa mão uma medida provisória que preserva empregos numa retomada providencial. Em todo esse cenário, a medida 905 (número da MP) é uma feliz coincidência. E se torna mais fundamental nesse momento pós-covid-19 — disse Bianco, na ocasião.
Sem esse instrumento, a equipe econômica voltou a conversar sobre a desoneração da folha para todos os trabalhadores. A renúncia fiscal prevista pela MP seria absorvida pelo Orçamento, mas a medida mais ampla que agora está em discussão precisaria de uma compensação, principalmente porque o espaço nas contas públicas será ainda mais restrito depois dos gastos emergenciais para combater o coronavírus.
Técnicos ainda estão fazendo contas. Mas, em linhas gerais, empregadores deixariam gradualmente de pagar os 20% sobre os salários que bancam o INSS. O dinheiro para financiar a Previdência passaria a vir do novo imposto, que seria pago por toda a população brasileira. Quanto maior for a desoneração da folha, mais alta precisará ser a alíquota do novo tributo. A substituição seria feita de forma que a carga tributária — ou seja, o total de impostos sobre o tamanho da economia — não subisse.
Proposta vista com reserva
A Receita Federal chegou a apresentar, no ano passado, um modelo em que o novo imposto — que chegou a ser batizado de Contribuição sobre Pagamentos (CP) — teria uma alíquota de 0,2% a 0,4%. A tributação seria feita em cada ponta da operação. Ou seja, o imposto seria recolhido por quem paga e por quem recebe.
No Congresso, a ideia ainda é vista com reservas, já que tratar de criação de impostos é tema delicado.
— A saída seria pela criação de novos impostos, mesmo que isso significasse a desoneração da folha? É algo que ainda não é possível dizer que há consenso dentro da Casa. A gente, a priori, prefere uma saída pelo controle de gastos e uma agenda de crescimento — avalia o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).
Ele admite, no entanto, que o cenário pós-crise pode permitir “novas abordagens”.
— Para o pré-crise, isso não era solução. Claro que cenários novos vão permitir novas abordagens e novas discussões. Se for uma compensação de desonerar a folha, tem que ver muito bem qual é o impacto. Tem que ser uma conversa bem transparente. Mas são climas diferentes. O cenário pós-crise traz a possibilidade, sim, de novas abordagens, de novos argumentos. E vamos estar lá para convencer e sermos convencidos — completa.
Na avaliação de um líder do chamado centrão, o governo até precisará criar impostos, não só para desonerar a folha, mas porque a proporção entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) pode “explodir” por causa dos gastos extras para conter os efeitos da pandemia. Mas, no Congresso, a opção não é ressuscitar a CPMF porque ela pune os pobres, afirma a fonte. A preferência seria tributar os mais ricos.
Para a senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Casa, ainda é cedo para tratar da agenda pós-pandemia.
— A pandemia vai determinar o que virá depois. Ela ainda não mostrou sua verdadeira cara. A gente não sabe o tempo, não sabe o estrago, não só da saúde pública, mas em questão econômica. Então, toda essa discussão de votar reforma tributária, seria o ato mais irresponsável da história do Congresso Nacional (votar agora) — avalia a senadora.
As idas e vindas da proposta
Estudos sobre o imposto no governo de transição
Ainda em novembro de 2018, antes mesmo da posse do presidente Jair Bolsonaro, técnicos da equipe econômica que começava a ser formada por Paulo Guedes estudavam formas de desonerar a folha de pagamento. O desenho previa uma alíquota de até 0,9%, nas duas pontas da operação. Na ocasião, Bolsonaro negou a ideia e desautorizou o time a tratar do assunto.
Imposto sobre transações entra na pauta da reforma
A ideia de criar o imposto passou a ser citada por integrantes da equipe econômica como parte da reforma tributária. Em agosto, Bolsonaro disse que conversaria com Guedes sobre o tema, negou instituir o tributo, mas disse que a sociedade tomaria a decisão: “A sociedade que tome uma decisão a esse respeito. Ele (Guedes) pode falar ‘vou botar 0,10% na CPMF e em consequência acabo com tais e tais impostos'. Não sei”.
Após divulgação oficial, Cintra é demitido
Em setembro, durante uma apresentação a auditores da Receita Federal aberta à imprensa, técnicos do Fisco apresentaram, antes da hora, simulações a respeito da Contribuição sobre Pagamentos (CP). A divulgação oficial aumentou a tensão entre Bolsonaro e Marcos Cintra, maior entusiasta da proposta. O então secretário foi demitido, mas a ideia nunca chegou a sair totalmente do radar da equipe econômica.
Guedes volta a defender imposto para desonerar folha
A última vez em que o projeto foi publicamente defendido foi em dezembro. Em entrevista, Guedes voltou a propor a ideia, dessa vez destacando que o tributo incidiria sobre transações digitais, mas disse que a CPMF virou “imposto maldito”: “O presidente falou: ‘eu não quero esse troço’. Então, acabou-se. Não quer a CMPF, a CPMF não existe. Nós, por outro lado, sempre examinaremos bases amplas”.