Em mais um capítulo da briga por clientes, os bancos digitais agora miram as micro e pequenas empresas, segmento que não é tão bem atendido pelos bancos tradicionais e que sofreu muito com a pandemia.
São mais de 6,4 milhões de empreendedores no país, segundo o Sebrae, que já movimentam 30% do Produto Interno Bruto (PIB), mais de R$ 2 trilhões ao ano. E mesmo com a crise sanitária, ao menos 620 mil pequenos negócios foram abertos no ano passado.
— Na primeira ofensiva, esses bancos foram atrás de pessoas físicas. Agora, há um esgotamento e o alvo são os pequenos empresários — diz João Frota, estrategista da Senso Corretora e especialista em sistema financeiro.
E acrescenta:
— É um segmento que cresceu muito, mas ainda é mal atendido nos grandes bancos, porque oferece alto risco de inadimplência. Os bancos digitais querem atendimento quase personalizado para atrair esses clientes.
Em comum, essas instituições estão oferecendo pacotes de serviços gratuitos, como Pix, TEDs, além de conta corrente digital e gratuita, cartão de crédito sem anuidade, maquininhas de cartão e maior acesso ao crédito, com taxas de juros mais atraentes.
Fabrício Matias, dono da Fast Frame, loja de molduras, em São Paulo, diz que decidiu abrir conta em um banco digital este ano para economizar em tarifas.
— Foi preciso cortar gastos e uma tarifa de R$ 100 ao mês cobrada das pessoas jurídicas nos grandes bancos faz diferença — conta Matias, que tem quatro funcionários.
Frota, da Senso Corretora, lembra que os bancos digitais ganham com esse público na oferta de investimentos e seguros, além do gerenciamento de serviços, como a folha de pagamento. E, no crédito, as taxas de juros são menores, mas ainda próximas de 1% ao mês.
Impacto da concorrência
O economista e professor da FGV em São Paulo Arthur Barrionuevo observa que as fintechs, por exemplo, começam atuando em determinados nichos de público, mas no futuro tendem a ampliar sua atuação e seus clientes. No caso dos bancos digitais, as contas gratuitas atraíram novos clientes, inclusive dos grandes bancos, e provocaram um impacto negativo na receita com tarifas das grandes instituições.
— A concorrência no sistema financeiro aumentou, mas trata-se de uma mudança que não acontece de uma hora para outra. Os cinco grandes bancos do país eram donos de 90% dos ativos até há pouco tempo, e agora essa participação começa a se diluir. Eles começaram a perder receita com tarifas, mas sua capacidade de competição ainda é muito grande.
No C6, as contas correntes de pessoas jurídicas vêm crescendo a uma velocidade de 40 mil ao mês, neste ano, quando o banco passou a atender esse público. Já são 300 mil CNPJs, conta Monisi Costa, chefe de Pessoa Jurídica do C6.
— Depois da pessoa física, as pequenas empresas são a segunda onda de abertura de contas. Há uma complexidade maior na oferta de produtos. Vemos esse público com outro olhar depois da pandemia, já que as mais robustas sobreviveram — diz Monisi.
Além do pacote de serviços gratuitos, o C6 disponibiliza 400 consultores empresariais para atender pequenos empreendedores, alguns inclusive ex-gerentes de grandes bancos, por chat ou telefone. A expectativa é chegar ao fim do ano com mais de 500 mil clientes.
O Banco Central permitiu que as empresas usem os valores que têm a receber com vendas no cartão como garantia de empréstimos aos bancos. Para executivos de bancos digitais, isso deve baratear a oferta de crédito.
Ray Chalub, diretor de Operações do Banco Inter, conta que o número de clientes pessoas jurídicas já chegou a 1 milhão. O banco oferece Pix e conta corrente gratuitos, cartão de crédito sem anuidade, e colocou à disposição desse público uma plataforma de negócios.
— Eles sempre foram importantes para o banco e conhecemos as dores desse segmento. Temos uma plataforma de negócios com produtos de investimentos, seguros para os colaboradores e para a empresa — conta Chalub.
O Banco Original, instituição digital controlada pela J&F, dona da JBS, depois de consolidar a carteira de pessoas físicas passou a focar nos clientes pessoa jurídica no ano passado.
— Se o cliente tiver conta como pessoa física e quiser abrir a de pessoa jurídica, faz isso pelo aplicativo. O gerente será o mesmo, com atendimento 24 horas e sete dias por semana — conta Márcio Moral, chefe de Empresas do Banco Original.
Já são 220 mil contas de pessoa jurídica abertas. O banco oferece atendimento até com folha de pagamento e cobrança. Também trabalha com exclusividade com o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), do Sebrae. Isso, segundo Moral, barateia o custo, já que o risco é minimizado.
Ele lembra que o banco ganha tração nesse segmento ao atender clientes e fornecedores da JBS, como supermercados e açougues, por exemplo.
— Conhecemos esses clientes. Muitos fecharam na pandemia, mas mantivemos a oferta de capital de giro até que eles abrissem novamente — diz o executivo.
No Nubank, a conta pessoa jurídica já existe desde 2019. Mas nos últimos 12 meses, o crescimento do número de clientes foi de 217% e 37% dos que hoje abrem conta na instituição têm menos de três meses de empresa. A conta tem funcionalidades similares às oferecidas pela conta digital para pessoa física, como transferência ilimitadas, pagamento de boletos e cartão de débito, além de ferramentas como a emissão de boletos de cobrança e o extrato digital.
Esta semana, o banco anunciou mais duas ferramentas: controle de cobranças pendentes, pagas e vencidas pelo aplicativo. E possibilidade de que o dinheiro das vendas feitas por cartão seja depositado automaticamente na conta do Nubank, sem a necessidade de ter outra conta só para esse tipo de pagamento.
O banco digital BS2 firmou parcerias para oferecer um pacote de serviços aos pequenos empresários, como maquininhas para débito e crédito, soluções de contabilidade e produtos de investimento. Também tem o pacote de serviços gratuitos e atende 150 mil clientes pessoas jurídicas.
— Na pandemia vimos um salto na adoção de serviços remotos. Esse fluxo digital vai permitir que as pequenas empresas possam ter acesso a mais produtos no banco, como as várias modalidades de crédito — afirma Marcos Magalhães, presidente do BS2.